Das manifestações culturais que compõem o folclore no Brasil, nota-se nuances que se percebem únicas de acordo com o tempo, lugar, e principalmente comportamentos sociais que influenciam atitudes e gestos.
Em José de Freitas é impossível falar desta forte manifestação cultural sem mencionar a memorável figura de Pedro Alves de Oliveira, ícone desse movimento durante um bom tempo da vida freitense. O que posso testemunhar é justamente o que me resguarda a memória, como nasci no ano de 1962, justamente no dia 06 de Janeiro, o que me identifica com esse laço cultural, mesmo não sendo farto, mas tentarei espremer os miolos para transcrever aos meus estimados conterrâneos lembranças que tenho desses áureos tempos de REISADO.
Não sei de onde partiu a influência, mas a tradição coexistiu durante um tempo em que eram pouquíssimas as opções de lazer, a televisão ainda estava chegando em terras freitenses, era o inicio dos anos setenta, contava-se os aparelhos na cidade, casa do Sr. Ferdinad Freitas, Padre Deusdedit, Renato Batista, Artur Pinheiro, Dra Durvalina, Onofre Felinto, na praça Gov. Pedro Freitas, e na rua Santo Estevam na casa da Mariana filha do Sr Faustino, se esqueci alguma peço que me perdoem, essa última era onde eu assistia insólito a curta programação noturna, das 18:00hs às 24:00hs.
Dado a essas opções é certo que aguardávamos ansiosos o inicio do reisado do Pedro Alves, o terreiro ainda sem calçamento da rua Pedro Craveiro em frente sua residência, era o palco dos ensaios e das reuniões iluminada por uma lua que se alternava em conformidade com o tempo, chuvoso ou apenas seco, e uma tênue eletrificação que inicialmente era alimentada a diesel e depois pela Usina de Boa Esperança, verificado avanço já que a primeira era desligada às 23:00hs.
De longe já se ouvia o arrastado toque da “Harmônica” do Sr João Deor que depois foi substituído pelo Sr Benedito Severo, era um instrumento tipo Sanfona feito de madeira e de teclado reduzido e pouquíssimas teclas de Baixo, som que às vezes era apenas sucumbido pelas entoadas cantigas de Dona Maria Joana num famoso “…ô de casa, ô ô ô de fora, quem ta dentro saia fora…” , esta participava da folia com forte presença de sua família, o marido Chagas Borges era o dançarino da Burrinha, um filho seu era a tripa do boi, homem que conduz o boi
Os caretas que se vestiam conforme a figura acima tinham uma alegria cômica na espontaneidade de Geraldo Iria, no terror do chicote do Zé Chiquita, na mansidão do Zeca Estevam e na gargalhada de Antonio Galdino, que gesticulavam em volta do boi, dançando e açoitando-o às vezes sobre a influência de uma boa cagibrina dita para temperar a garganta.
Pedro Alves travestia-se de uma figura chamada de CABEÇÃO que eu não sei de onde surgiu, mas parecia uma versão tupiniquim do Halloween, onde a abóbora era substituída por uma cabaça grande, e iluminada por uma lanterna que ele introduzia em uma abertura próxima ao queixo, inicialmente o impacto era aterrorizante amenizado pela carinhosa canção entoada: “… você viu o cabeção por ai? Eu não, vi não! O que é que a gente faz com ele? Dá um beijo nele!…”. E outro personagem era a Ema, que era uma pesada palhada fazendo alusão a ave que rodopiava pelo terreiro ao som do sucesso de Jackson do Pandeiro “o canto da ema”.
Figura que também elencava essa tradição foi o depois famoso Antonio Cearense, renomado músico instrumentista de nossa cidade. Todas essas alegorias desfilavam pelos terreiros dos lares freitenses de todas as classes sociais, tanto do centro como dos bairros, em dias que antecediam o dia de Reis onde a festa teria sua culminância com o sacrifício do Boi.
Todas as pessoas que compunham esta festa o faziam de maneira quase voluntária, ou muita vezes em trocas de algumas moedas ou bens de consumo, juntados da doação das pessoas para custear a festa final. Descendentes dessas pessoas que compõem a sociedade de José de Freitas, devem se orgulhar dos seus feitos em construir parte da cultura local e deixar para a posteridade, exemplos de dignidade e proeminente inspiração para movimentos futuros. Nos anos oitenta eu, juntamente com meu amigo João Oliveira, fizemos em forma de cordel uma homenagem ao saudoso Pedro Alves.