Daniel Dias, nadador paraolímpico, fala das principais dificuldades de ser um motorista PCD

Daniel Dias, nadador paraolímpico, é um dos exemplos de que pessoas com deficiência podem dirigir e têm esse direito. Ele nasceu com má-formação congênita dos membros superiores e da perna direita, na qual usa uma prótese, mas não há nada que o impeça de dirigir seu Volvo XC90 por aí.

Entretanto, é inegável que no Brasil ainda existem muitos obstáculos para os motoristas PCD, desde as isenções de impostos até o processo de tirar a primeira habilitação. Daniel Dias e Caroline Tanaka, funcionária pública de Piracicaba, que não possui os dois braços, falaram um pouco sobre as dificuldades e soluções encontradas no dia a dia dos motoristas PCD.

Carolina Tanaka nasceu sem os dois braços e utiliza adaptações em seu Chevrolet Prisma — Foto: Arquivo pessoal

Carolina Tanaka nasceu sem os dois braços e utiliza adaptações em seu Chevrolet Prisma — Foto: Arquivo pessoal

Tirar a CNH especial

“Quando fiz 18 anos, como todo jovem, quis tirar minha carteira de habilitação nacional (CNH). Mas, sinceramente, não sabia se era possível, porque não sabia se um deficiente poderia dirigir”, conta o atleta.

O primeiro entrave nessa questão está no processo de solicitar a CNH especial. Além de passar pelos exames psicotécnicos e médicos, a pessoa com deficiência deve ser avaliada por uma junta médica, que analisa a sua deficiência, constata se ela está apta a dirigir e indica quais adaptações devem ser feitas no carro.

Daniel Dias relata que essa etapa pode gerar dor de cabeça para as pessoas com deficiência: “Eu dei sorte e não passei por nenhum problema com os médicos, mas há um rapaz que tem a mesma deficiência que eu que não consegue o laudo. Ele me contatou e eu fiz uma carta para que ele consiga comprovar que a nossa deficiência não o impede de conduzir um veículo”, conta Dias.

Outra dificuldade no processo de tirar a primeira habilitação está na realização da etapa prática, já que nessa fase, é preciso procurar autoescolas que tenham carros adaptados e professores especializados no ensino para pessoas com deficiência.

O nadador tirou sua CNH em 2008 e Carolina Tanaka em 2003. Na época, havia apenas três autoescolas especializadas em PCD no estado de São Paulo: uma na capital, uma em Campinas e outra em Sumaré. Para fazer as aulas e provas práticas, Dias se deslocava de Bragança Paulista (SP) até Sumaré (SP); Tanaka, por sua vez, ia de Piracicaba (SP) até Campinas (SP).

Daniel Dias conquistou 27 medalhas em 4 Jogos Paraolímpicos. Por isso é considerado o maior medalhista paraolímpico brasileiro — Foto: André Schaun/Autoesporte

Daniel Dias conquistou 27 medalhas em 4 Jogos Paraolímpicos. Por isso é considerado o maior medalhista paraolímpico brasileiro — Foto: André Schaun/Autoesporte

Atualmente, há mais opções de autoescolas para que se possa tirar a CNH especial, mas ainda são limitadas. Se Tanaka fosse tirar sua habilitação nos dias de hoje, encontraria apenas uma autoescola especializada em PCD em Piracicaba, e o atleta continuaria sem encontrar nenhuma em Bragança Paulista, segundo a associação Sindautoescola.SP.

Com a etapa da análise médica e a procura por autoescolas específicas, o processo para obter a primeira habilitação pode levar mais tempo para pessoas com deficiência. “O processo é bem longo e demorado, mais ou menos um ano ou um ano e meio”, conta Tanaka

Em alguns casos, a demora pode ser ainda maior, porque muitas autoescolas não possuem veículos com todas as adaptações existentes. Tanto Dias quanto Tanaka tiveram que realizar a etapa prática (aulas e provas) com os próprios carros já adaptados. “Demorou mais ainda, porque tive que esperar meu carro receber todas as adaptações”, conta a funcionária pública.

O Volvo XC90 de Daniel Dias possui um pedal de aceleração no lado esquerdo — Foto: André Schaun/Autoesporte

O Volvo XC90 de Daniel Dias possui um pedal de aceleração no lado esquerdo — Foto: André Schaun/Autoesporte

Adaptações

 

Uma das principais questões que gira em torno das adaptações automotivas é o preço. Mônica Cavenaghi, gerente de vendas da Cavenaghi (loja de cadeiras de rodas e adaptação veicular), explica que a empresa oferece os “produtos de prateleira” (custam em torno de R$ 1 mil), que atendem 90% dos clientes, e os chamados “projetos especiais”, para deficiências mais raras ou que comprometem um número maior de membros – esses costumam ser mais caros.

Dias possui em seu XC90 um produto de prateleira: um pedal de aceleração no lado esquerdo, que custa R$ 1.870. Já Tanaka usa uma adaptação mais específica: “Como não tenho os dois braços, meu Chevrolet Prisma 2017 tem pequenos pedais extras (para comandos como seta, buzina e faróis) e um volante no assoalho do motorista”, explica. O valor de sua adaptação é de R$ 25 mil.

Tanaka conduz com os pés, através de um volante que fica na parte de baixo do veículo — Foto: Arquivo pessoal

Tanaka conduz com os pés, através de um volante que fica na parte de baixo do veículo — Foto: Arquivo pessoal

Quando começou a dirigir, a funcionária pública possuía um Chevrolet Classic. A adaptação já ultrapassava os R$ 20 mil e Tanaka não tinha condições de pagar por ela. “Eu havia participado de um programa de TV [Programa do Gugu, no SBT], então entrei em contato com eles novamente para verificar se existia a possibilidade de conseguirem a adaptação para mim – e conseguiram. Só comecei a dirigir naquela época por causa deles”, relata.

As duas adaptações de Tanaka foram realizadas pela Cavenaghi. Mônica explica que, nos projetos especiais, tudo é pensado para que o carro receba o menor número de alterações. “Nós mexemos o mínimo possível na estrutura original do veículo. Nossa equipe pensa em diversas alternativas e testa todas para adaptar o carro e para que o motorista possa aproveitar ao máximo a dirigibilidade.” A gerente conta que, no caso da funcionária pública, por exemplo, não colocaram adaptação para puxar o cinto, pois ela tem flexibilidade para puxá-lo com o pé.

Isenção de impostos

“Burocracia” foi a palavra que se repetiu nas falas de Tanaka e de Dias. Ambos concordam que o processo é demorado: “São muitos documentos”, afirma a funcionária pública. Para pedir as isenções de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é necessário apresentar o requerimento de pedido de isenção de IPI fornecido pela Receita Federal, cópia das duas últimas declarações do Imposto de Renda (IR), documento que prove a regularidade de contribuição à Previdência e a curatela (necessário para maiores de 18 anos considerados incapazes juridicamente).

Já para isenção do ICMS é preciso apresentar o requerimento de isenção do imposto, carta do vendedor (dada pela concessionária), cópia da última declaração do IR, comprovantes de capacidade econômica financeira e isenção de IPVA.

Para conseguir a isenção do IPVA a lista de documentos também é longa: requerimentos de isenção de IPVA (três cópias), cópia do laudo médico, cópia autenticada do certificado de propriedade e licenciamento do veículo (frente e verso) no nome do motorista PCD, cópia da nota fiscal da compra do carro e uma declaração de que o motorista irá adquirir apenas um veículo com a isenção de IPVA.

“Entendo que são muitos documentos porque muita gente que não tem direito tenta solicitar as isenções, mas mesmo assim isso complica o processo”, opina Tanaka.

Dias ainda aponta o limite de valor dos carros para as isenções como um problema para os motoristas com deficiência: “Eu, sinceramente, não entendo esse teto. Para mim, se a pessoa tem direito ao desconto, deveria ser para qualquer carro”. O atleta se refere ao teto de R$ 70 mil para isenção do ICMS e IPVA e de R$ 140 mil para a isenção do IPI.

Vale lembrar que, com a limitação de preço, a lista de carros com direção automática (requerida para motoristas PCD) foi reduzida.

Daniel Dias diz 'não entender' a legislação que estipula um teto de R$ 140 mil para o público PcD comprar veículos — Foto: André Schaun/Autoesprorte

Daniel Dias diz ‘não entender’ a legislação que estipula um teto de R$ 140 mil para o público PcD comprar veículos — Foto: André Schaun/Autoesprorte

Tanaka e Dias dizem que, mesmo com tantas dificuldades, as pessoas com deficiência têm o direito de dirigir. “Os motoristas PCD precisam saber das dificuldades que vão enfrentar, mas também que é possível conduzir um veículo”, finaliza o nadador.

FONTE: Autoesporte

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