João Lira narra há 15 anos com transmissão “in loco” e sustenta família recebendo R$ 150 a R$ 200. Voz ultrapassa quarteirões, arranca risadas e zoa volante do Fla: “Jonas abriu a caixa de ferramentas”
Um carro de som, mais um microfone, caneta para escrever na folha de papel as escalações – imprescindível –, copinho d’água para molhar a garganta. É só isso para João Lira repassar através da sua voz a emoção de uma partida de futebol. Há mais de 15 anos, o radialista de José de Freitas, interior do Piauí, é o responsável por narrar jogos amadores pela região. E de uma maneira muito simples: à beira do campo de chão batido, próximo ao alambrado, ele usa sua fala para contar a história da partida “ao vivo” para quem está no estádio. Aos 49 anos, essa é a forma dele ganhar a vida. A cada jogo ganha entre R$ 150 e R$ 200 – mais caro quando é final. A esposa é a assessora. E os bordões são hilários: na hora do gol, “olha a papa…”.
Assista no vídeo acima aos melhores momentos da narração.
João Lira usou a voz para narrar o amistoso de Crislan, atacante do time japonês Vegalta Sendai, que contou com o volante Jonas, do Flamengo, contra o selecionado de jogadores de José de Freitas. No estádio Jacozão, cumpriu um ritual que faz há 15 anos: chegou cedo, anotou os times (tinha Toizinho, Bombom, Pé de Ferro, Pelado, Sabonete e Velho Xande), arrumou o equipamento e deu para o público o seu show. Até mesmo brincou com o estilo de Jonas:
– Olha aí Jonas (risos). Já abriu a caixa de ferramentas (risos) – narrou.
– Daqui do alambrado dá para ouvir as histórias das arquibancadas, aí a gente sabe tudo o que passa pela cidade – conta, se divertindo durante a narração.
– Comecei a fazer e as pessoas gostaram, fui criando mais amor e coloquei humor para o torcedor presente no estádio fique à vontade. Ganho a vida assim, todo o final de semana tem futebol e sou convidado para fazer os jogos em outras cidades, União, Lagoa Alegre, Campo Maior. Tudo futebol amador e na zona rural – relata João Lira, pai de quatro filhos.
Com inúmeras partidas já feitas, há regras elaboradas para a narração “ao vivo” e “in loco” com o carro de som: 1) Não deixar jogador contra o árbitro; 2) Jogadas polêmicas precisam de cautela na descrição; 3) Principal: se tiver discussão, corre para outro assunto; 4) Não influenciar na partida. Elas foram criadas após alguns estádios impedirem a entrada do sistema de som.
Ele mesmo se diverte citando as regras.
– Não digo também o tempo de jogo. Tem dado certo há anos – enfatiza.
Maria do Livramento, a esposa, acompanha tudo. Ou melhor, quase tudo.
– Na hora do gol, tapo os ouvidos para não ficar surda – explica. A narração dá para ser ouvida até mesmo do lado de fora do estádio, quarteirões depois.
Além do “sabe de quem?”, “é o nome da emoção”, “olha o gol, olha o gol…”, “bola pro fundo do gol”, “que beleza”, há no interior do Piauí a narração empolgante que torna o futebol raiz mais apaixonante. E a explicação de João Lira vai na veia quando diz o motivo de narrar com o seu carro de som.